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Farrusco Vagabundo, o cão que apenas queria ser amado.

Lembro-me da primeira vez que o vi.



Parecia um cão assustadiço, feioso, olhos baços, cheio de medo das pessoas.

Aparentava já não ser novo. Estava visivelmente cansado, maltratado, faminto.

Foi assim que o vimos chegar à quinta onde vive parte da minha família. E foi o meu irmão que ele escolheu para o acolher.

Literalmente.

Instalou-se no tapete da sua entrada e por lá ficou.

O meu irmão cuidou dele e aos poucos fomos assistindo àquele velho cão ganhar vida. Mas sempre colocando-se à parte como se não ousasse fazer parte do cenário onde tinha pedido para entrar.

Desparecia de vez em quando e voltava uns dias depois com toda a naturalidade.

Deixava-se acarinhar por quem ele sentia que gostava dele, mas nunca se entregava totalmente.

Parte do seu corpo ficava alerta, como se a qualquer momento pudesse perder aquilo que lhe sabia bem.

Era um sobrevivente e tinha por isso bem presente que nada era eterno, sobretudo o que era bom. 

O Farrusco Vagabundo, como passou a ser tratado, era um cão agradecido.

Como vadio que era, em casa não entrava mesmo sendo convidado, no canil que tinha sido preparado cuidadosamente para ele, também não ficava. Então dormia todos os dias no tapete de entrada da casa do meu irmão.

Fizesse chuva ou fizesse sol.

Sabia qual era o seu lugar e não abdicava dele. Estava habituado a contar só consigo, a dormir onde calhava e a comer o que podia.

Só não sabia o que era receber afeto. Isso claramente não sabia.

E foi ali que ele encontrou esse lugar, brincando com os netos do meu irmão quando podia, escondendo-se discretamente a maior parte do tempo, mas sempre reagindo ao seu nome quando por ele chamávamos.

E eu fazia-o sempre que chegava à quinta. Lá vinha ele, timidamente, aproximando-se só quando eu me punha do tamanho dele e lhe falava suavemente. Mergulhava o focinho nas minhas pernas e deixava que eu lhe fizesse festas e mais festas. Quando outro cão se aproximava para tomar o lugar dele, o Farrusco afastava-se. Não queria confusões.

Percebia-se que se recolhia quando lhe cheirava a confusão. O corpo dele cheio de sinais de golpes e costuras, adivinhava outros lugares onde a vida não lhe correra tão bem.

O Farrusco era feliz ali. Era mesmo.

Até ao dia em que o meu irmão teve de se ir embora.

Na quinta, havia quem lhe desse comida todos os dias.

O Farrusco não era um cão de casa, muito menos de cidade. E foi ficando por lá, talvez à espera que o meu irmão voltasse.

E ele voltava sempre, mas não em permanência.

Então, começou a afastar-se por períodos cada vez mais longos da quinta.

E uma vez em que o meu irmão estava lá a passar uns dias, o Farrusco veio literalmente despedir-se do seu protetor ao longo de três anos tão felizes para ele. Passou uma última noite no tapete de sempre e foi-se embora pela manhã, libertando o meu irmão naquilo que identifiquei também como um gesto de amor e de sobrevivência.

A mim dói-me o coração por não o poder ter comigo. Mas sei que o amor também deve compreender que nem todos aqueles de quem gostamos se adaptam ao nosso mundo.

O Farrusco era um cão de rua e do campo. Nem eu nem o meu irmão podíamos ter feito outra coisa. Decidiu partir quando sentiu que chegara a hora.

Mais tarde, foi visto no quintal de uma casa vizinha, com outra família.

Que alívio que foi! E que admiração por ele!!!

Acredito que todo o afeto que recebeu ali lhe deu força e confiança para voltar a acreditar.

Esperamos todos que tenha sido feliz.


(história atualizada, com base na publicada no meu antigo blog.)

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